quinta-feira, 3 de março de 2011

A LÍRICA DA CHAMA

Em julho de 1997 a convite da Folha de São Paulo, quinze poetas escreveram versos inspirados no órgão sexual feminino, sob o título A Lírica da Chama. Durante esta semana transcreverei neste blog os poemas publicados. Iniciando temos Waly Salomão e Arnaldo Antunes.



EXTERIOR (Waly Salomão)

Por que a poesia tem que se confinar
às paredes de dentro da vulva do poema?
Por que proibir à poesia
estourar os limites do grelo
                                da greta
                                da gruta
e se espraiar além da grade
do sol nascido quadrado?

Por que a poesia tem que se sustentar
de pé, cartesiana milícia enfileirada,
obediente filha da pauta?
Por que a poesia não pode ficar de quatro
e se agachar e se esgueirar
para gozar
- CARPE DIEM! –
fora da zona da página?

Por que a poesia de rabo preso
sem poder se operar
e, operada,
                   polimórfica e perversa,
não poder travestir-se
                   com os clitóris e balangandãs da lira?


Fonte: Folha de São Paulo, domingo, 20 de julho de 1997




BOCETA (Arnaldo Antunes)

da entrada à entranha
dessa eterna
morada
da morte diária
molhada
de mim
desde dentro
o tempo
acaba

entre lábio e lábio
de mucosa rósea
que abro
e me abra
ça a cabe
ça o tronco
o membro
acaba
o tempo


Fonte: Folha de São Paulo, domingo, 20 de julho de 1997




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