quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Memorial da Formação Profissional (escrito durante o curso de especialização em Linguagens e Códigos)

Tudo começou na escola, da qual, em remotas épocas, não trago muitas lembranças. Lembro sim da primeira professora particular que visitava duas vezes por semana, depois de subir a ladeira do condomínio onde morava em Santa Tereza, no Rio de Janeiro. Não lembro seu nome, nem seu rosto, mas lembro da dedicação e do carinho que me dedicava quando, ainda criança, iniciava meu trajeto acadêmico. Lembro das histórias em quadrinhos, que lia afoitamente, nas quais, em meio a scrash’s, punt’s e sock’s, aprendi a ler. Lembro de algumas poucas referências de onde estudei quando criança, várias escolas, escolas públicas, uniformes, alguns com gravata, calça de linho e sapatos pretos; provas teóricas e trabalhos pesquisados em enciclopédias e recortes de revistas colados em folhas de papel. Lembro dos lápis com borracha na ponta e da felicidade de comprar uma lapiseira e uma caneta tinteiro. Lembro de saber que minha mãe, antes de se casar, era professora. Lembro do primeiro curso de datilografia feito, alguns anos depois, em máquinas Remington, do uso de papel carbono e corretivos de papel. Daí para hoje o trajeto foi grande e cheio de nuances.
Lembro com saudade do meu primeiro e remoto contato com a música quando, em Juiz de Fora, por volta de 7 ou 8 anos de idade, ganhei um pequenino violão de brinquedo, daqueles de plástico com cordas de nylon, de pesca. Para mim foi um deslumbre. A inspiração vinha de uma vizinha, muitos anos mais velha, fã de Roberto Carlos, pela qual eu nutria um certo fascínio infantil. Eu sentava na varanda, em frente a sua casa, e “solava” as melodias do “Rei” especialmente pra ela, na vã esperança de chamar sua atenção. Esse idílio platônico se desenrolou até o dia em que um amigo meu, de proporções físicas avantajadas, veio à minha casa e descuidadamente sentou-se em cima do violão, que se encontrava no sofá. A visão do companheiro partido em dois foi a última que tive de um instrumento, tão próximo de minhas mãos, por muito tempo.
Depois de anos estudando em escolas públicas e já morando em Brasília ganhei uma bolsa para o colégio Marista. Estudei para Auxiliar de Análises Químicas, ao nível de, como era chamada na época, Formação Especial. Já nesse momento pude perceber a pouca relação existente entre esse tipo de formação e o mercado de trabalho pois, ao terminar o chamado segundo grau, não me achava apto de forma nenhuma a exercer a profissão para a qual me “prepararam”. Era uma formação de cunho obrigatório mas não satisfatório até porque as opções de escolha eram reduzidas.  Além do mais, trava-se de um colégio para uma classe da qual eu não fazia parte e que priorizava a continuidade dos estudos, visando o vestibular e não o trabalho. Não havia interação entre minhas expectativas e a realidade da formação técnica nesse nível. Como muitos jovens de hoje, queria e precisava trabalhar.
Havia conseguido, aos catorze anos de idade, uma vaga no Banco do Brasil, para onde ia todos os dias, inicialmente, de uniforme azul, decidido a fazer desse emprego uma ponte para minha formação profissional. Redescobri o violão, que comprei com meu primeiro salário, e a música, que se tornou, tempos depois, referência profissional e objetivo de vida. Fiz o vestibular para Engenharia Civil na UnB. Queria ser engenheiro, construir casas. Não passei. No segundo, já não tão decidido assim pelas plantas e  esquadros, tentei o curso de Engenharia Elétrica na primeira opção e Psicologia na segunda. Passei, na segunda opção. Queria então estudar e entender as pessoas. Queria entender a mim mesmo. Nesse momento, apesar de não ter a consciência conceitual do termo, já exercia, até certo ponto, o papel de sujeito da minha educação pois não me limitava às salas de aula ou aos textos obrigatórios, nos quais buscava, o mais rápido possível, as referências bibliográficas, onde descobri autores e obras que me atraíram e fizeram parte importante do meu crescimento intelectual. Minha curiosidade acadêmica sempre foi além dos livros exigidos para as provas.
Nunca quis ficar no Banco mas ali dentro comecei a perceber a realidade a minha volta. Descobri, durante dezessete anos no emprego, as pessoas, as relações profissionais, as estratégias administrativas, o sistema capitalista e suas dicotomias. Descobri outras cidades, nas quais morei em função da facilidade que tinha de solicitar transferências. Descobri que não queria mais esse emprego.
Deixei a Psicologia após aproximadamente três anos de estudo e, pouco tempo depois, o Banco. Aos trancos e barrancos me envolvi com a música. Estudei sozinho, com apoio de alguns professores particulares até me decidir a novamente fazer o vestibular. Tocava em bares, casas noturnas e festinhas. Fazia trilhas para peças de teatro e ensaiava alguns passos no que viria a ser, definitivamente, minha trajetória profissional: comecei a dar aulas particulares de violão.
Na universidade, estudando música e, com a cabeça já formada e mais atento à realidade à minha volta, enxerguei algumas deficiências do curso de licenciatura, que priorizava os conhecimentos específicos em detrimento das matérias de cunho pedagógico. Descobri como era difícil qualquer mudança. Queria mudar pois minha opção pela licenciatura baseava-se na vontade de fazer parte do processo social, na intenção de contribuir para a melhoria da sociedade. Queria vincular meu pensamento ao meu sentimento. Queria usar a música para me tornar educador. Música com a qual já convivia há muitos anos e através da qual, compondo canções em sua maioria  “engajadas”, tentava dizer alguma coisa útil e pensava que o mundo queria ouvir. Ilusão! Ninguém queria ouvir nada daquilo. Aliás, descobri logo que a arte não deve, obrigatoriamente, dizer nada. Expressar e vivenciar a própria liberdade criativa deve ser seu maior objetivo.
Não foi fácil concluir o curso pois, sem emprego fixo, tinha que me virar tocando na noite e atuando em empregos temporários que me permitiam apenas sobreviver, com a ajuda de meus pais, ainda vivos nessa época, e que foram um suporte de tamanho inigualável a esse percurso. Em alguns momentos tive que trancar o curso ou algumas matérias devido à dificuldade de conciliá-lo com a necessidade do trabalho. Em outros, pensei em desistir.
Concluí o curso em 1999 e, já com quarenta anos, fiz o concurso para o GDF e comecei a dar aulas na Escola de Música de Brasília, onde estou até hoje. Aos poucos fui aliando o trabalho musical com o trabalho pedagógico. Novamente encontrei dentro de mim a possibilidade de fazer a diferença, de contribuir. Através desse investimento pessoal comecei a organizar reflexões sobre as práticas cotidianas na vida e no trabalho. Comecei a observar de forma mais acurada toda a resistência a mudanças que contagia o pensamento geral. Acreditando que a formação, principalmente do educador, dever ser continuada e interdisciplinar, fiz cursos de pequena duração sobre criação e produção musical e pedagógica,  enquanto, paralelamente, saciava minha curiosidade geral através dos livros. Em 2004 gravei meu primeiro cd. Em 2012, o segundo. Em 2014, fiz meu primeiro videoclipe.
Hoje, aqui estou, cada vez mais descobrindo possibilidades, itinerários e novas expectativas. Carrego em mim o potencial virótico de contaminar cabeças e de diversificar minhas práticas de ensinar e aprender. Contente por sentir a minha volta o mesmo espírito de luta e de busca por mudanças, acreditando, cada vez mais, no poder da organização do trabalho coletivo, ansioso pelos próximos passos e aberto a novas idéias e à aceitação de meus erros, acertos e desacertos, procurando crescer e melhorar em prol do desenvolvimento pessoal e social. QUERO MAIS !!!!!

           Marcos Bassul

Brasília (DF) - 2008

domingo, 23 de março de 2014

CURTINHAS

Em cortejos fúnebres é muito melhor estar atrás do que na frente. Quem vai na frente ou é o próprio ou é parente.