terça-feira, 4 de novembro de 2008

O significado da arte

Ao contemplar uma pintura de uma garça um monge chinês reagiu com a seguinte frase: “clareando-se a água vêem-se os peixes”. Ao dizer isso, o monge abstraiu uma imagem que, para o ocidental não tem grande significado, mas, para o oriental, representa, com toda a grandeza de sua simplicidade, a síntese de uma existência. Provavelmente, um cidadão ocidental, diria algo como “que lindo”, “que perfeição”, “que bonitinha” a um quadro de uma garça pendurado em uma sala qualquer.

Essa enorme diferença na relação com o objeto é resultado da singularidade do fato artístico, um processo que vai desde o pensar, o optar, o fazer até o fruir. Não se extingue ao término de sua produção, muito ao contrário, prolonga-se em direção à alma humana.

A produção artística é uma enorme reflexão pessoal e espontânea que se manifesta através de uma visão totalizadora e dedutiva do mundo. O artista, quando cria, não se deixa possuir pela emoção, ao contrário, doma-a. E, ao escolher o tema, reflete não só aspirações pessoais, mas também as condições sociais e a consciência histórica prevalecente. E isto vale para o artista e para o público. Por isso mesmo, cada povo elabora o seu conceito de arte.

A arte é condicionada pelo seu tempo e representa a humanidade em consonância com as idéias e aspirações de uma situação histórica particular. De mágica, a arte se transformou em clarificadora das relações sociais, em catalisadora do reconhecimento e da transformação da realidade social. Talvez seja essa atitude, que surge de dentro do momento histórico, e que procura constância no desenvolvimento da arte, a ponte de ligação entre o indivíduo isolado e uma experiência plena. O autor, ao criar sua obra, busca refundir-se num espírito coletivo fraudado pela individualidade, com todas as suas limitações, numa busca incessante de absorver o mundo circundante, apoderando-se de experiências alheias que potencialmente lhe concernem ao mesmo tempo em que procura tornar social a sua individualidade: reflete a infinita capacidade humana para a associação e para a circulação de idéias.

Para o fruidor a arte propicia a oportunidade de perceber um mundo geralmente negligenciado, constituindo-se como fonte de conhecimento e de prazer. Sentir é a nossa primeira impressão do mundo, até então sincrética e pura. Aos poucos, vai se transformando em condicionamento e o fruidor começa a acumular padrões estabelecidos. A experiência estética, vivenciada em sua plenitude, revela distanciamento do objeto, propiciando manifestações emocionais inusitadas e impessoais.

A produção artística atua também, e em grande escala, na formação do indivíduo, tanto pela própria experiência da fruição como pelo treino no uso da linguagem não-verbal. Atua no relaxamento da tensão e no alívio da excitação emocional e promove o desenvolvimento da sensibilidade de captação dos sentimentos de comunidade humana. A relação com a arte promove uma forma holística de se relacionar com os fatos, uma condição de vivência que gera respostas mais práticas e rápidas. Por isso mesmo a arte constitui-se num recurso pedagógico de grande valor, pois desenvolve um sentido de percepção geral, concentração, reflexão e expressão, e dá ao indivíduo oportunidade de manifestar suas inquietações e elaborar seus sentimentos.

No fundo, a arte significa a vida. As diferenciações disciplinares, didáticas, entre os campos das artes não se manifestam naquilo que a arte traz de suas regiões mais abissais: a expressão do sentimento. Algo que língua nenhuma pode traduzir, apenas classificar. Algo que trazemos dentro de nós mesmos e que se liga ao coração da existência, à harmonia buscada em todas as formas de vida. Todas as manifestações artísticas se inter-relacionam justamente porque estão ligadas por esse fio invisível. Na prática, para um músico como eu, curioso sobre todas as variedades de “artes”, a interdisciplinaridade é importante, pois cada forma de expressar traduz a mesma relação existencial e, de maneira tranqüila e profunda, a mesma busca de cada artista: a (des)integração universal.

 

 

BIBLIOGRAFIA:

·        Ehrenzweig, Anton – A Ordem Oculta da Arte  A Psicologia da Imaginação Artística – Weidenfeld eNicolson – Londres – 1967;

·        Fischer, Ernst – A Necessidade da Arte – Verlag der Kunst – Dresden – 1963;

·        Osborne, Harold - A Apreciação da Arte. Cultrix. SP. 1970;

·        Gombrich, E.H. – A História da Arte – Introdução – Traduzido da 3ª edição;

·        Jung, Carl Gustav –Psicologia e Religião Oriental – Pensamento;

·        Oliveira, Marta Kohl –Vigotskii – Aprendizado e Desenvolvimento;

·        Porcher, Louis – Educação Artística – Luxo ou Necessidade?  - São Paulo – Summus – 1962);

·        Eco, Humberto – A Obra Aberta. Perspectiva. SP. 4ªed. 1986.

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